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segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Diziam que mulher era sexo frágil...

A delicadeza e a sensibilidade não são atributos para fragilizá-las. Desde os mais remotos períodos, já lá na Antigüidade, mulheres como Hipácia, que tornou-se influente nos círculos intelectuais e políticos de Alexandria pelos seus notáveis conhecimentos em geometria, matemática, religião, filosofia, poesia e artes, ou Zenóbia, a rainha árabe que se notabilizou pelo seu estrategismo bélico, liderando batalhas que resultaram na conquista de parte da Ásia Menor, mostraram que a distinção de gênero não passa disso: gênero distinto.

A História evidencia que pioneirismo não é prerrogativa de um só gênero, mas de quem ousa. E nos brinda com pioneirismo como o da médica Nise da Silveira, que desenvolveu métodos terapêuticos revolucionários nos quais utilizava a expressão artística dos doentes mentais em vez de medicamentos e eletrochoques, fundando, posteriormente, o Museu de Imagens do Inconsciente, no Centro Psiquiátrico D. Pedro II, no Rio de Janeiro, em 1952. Ou o da cientista Marie-Curie, cuja dedicação à Física resultou no Nobel de Física em 1903 e um segundo, de Química, em 1911, um marco na história da ciência, a quem devemos o raio-x e a radioterapia para tratamento do câncer, graças às suas investidas na pesquisa sobre a radioatividade.

Pioneirismo não tem nacionalidade. É, no mínimo, um referencial para que novos sonhos sejam alçados ao patamar da realidade. Voando nas mesmas asas da imaginação que fizeram da paulista Anésia Pinheiro Machado a primeira mulher a realizar um vôo-solo no Brasil, tivemos em céus potiguares a ousadia de Lucy Garcia Maia, primeira mulher a pilotar uma aeronave no Rio Grande do Norte. Era o sonho de Ícaro vestindo saias.

Agora mesmo, vemos este pequenino estado nordestino, de arraigada cultura patriarcal, sendo governado por mulheres, que dessa forma abre caminhos para que outras ousem, pondo fim ao feudo masculino que até então detinha a política norte-rio-grandense. Mas bem atrás, lá pela segunda metade do século XVII, pertencente à tribo potiguar que habitava a margem esquerda do rio Potengi, nascia Clara Camarão, índia guerreira que liderou batalhas contra o domínio holandês. Era mostras do pioneirismo que esse Estado seria capaz de dar, traduzido nas figuras de Nísia Floresta, intelectual e precursora do feminismo, Ana Floriano, líder do motim que ficou conhecido como “as 300 subversivas”, feito por mulheres mossoroenses, Celina Guimarães, que requerendo o direito ao alistamento eleitoral, conquistou o honroso título de primeira eleitora do país, e Alzira Soriano, que proporcionou a ascensão feminina na política ao tornar-se a primeira prefeita do Brasil.

Não há hoje um lugar onde não estejamos. Dos campos de futebol ao espaço aéreo não há um só lugar onde a presença feminina não tenha se efetivado. Política, aviação, forças armadas...não há mais limites, se eles podem, elas também. Endurecer, se preciso, mas perder a ternura...jamais.

Uma diva encanta o mundo ...


Nos anos 50, uma jovem atriz norte-americana com nome de batismo Norma Jean conquista o mundo e se torna Marylin Monroe, o maior símbolo sexual da América nos anos 50. Protagonizou filmes como: Os Homens Preferem as Louras (1953), com o qual atingiu o, estrelato, O Pecado Mora ao Lado (1955), em que surge de vestido esvoaçante sobre um respiradouro do metrô, numa das cenas mais célebres do cinema, e Quanto Mais Quente Melhor (1959). Mas se no cinema sua trajetória é de sucesso, sua vida pessoal é conturbada. Um suposto romance com o então presidente americano John Kennedy, para quem canta Parabéns a Você na festa de aniversário dele, ganha as páginas dos tablóides. Dependente de remédios para dormir, em virtude da depressão, é encontrada morta por overdose em Los Angeles (EUA) no dia 5 de agosto de 1962.

Um sonho audaz...



Era o sonho de Ícaro vestindo saias. Atendia pelo nome de Lucy Garcia e aos 24 anos teve o desplante de ser a única mulher a participar de um curso de piloto em meio a 12 homens. O que?!!! Então, essa baixinha quer ser aviadora? Ora, mulher, ponha-se no seu lugar, ou seja, na cozinha! Vá parir! Ser dona-de-casa esmerada, mãe dedicada e esposa exemplar! E olha que já é muita coisa.

Penso que era assim que um ou outro comentário era feito quando Lucy Garcia decidiu freqüentar o curso de pilotos promovido pelo Aero Clube de Natal. “Precisei de coragem para enfrentar a sociedade, porque uma moça sozinha no meio de 12 rapazes causava estranheza”, comentou. Corria o ano de 1942 e mundo era sacudido pela Segunda Guerra Mundial. O cenário era esse e – pasmem! – foi o pai quem deu apoio, porque a mãe temeu os riscos de um acidente. Além disso, o que queria uma moça de família onde só havia homens? Supostamente, como toda mãe, devia querer a filha bem casada, com uma prole numerosa para uma velhice sem solidão. Para isso, foi educada na Escola Doméstica de Natal, imbatível na preparação das jovens para a administração do lar.

Preferiu arriscar-se alçando outros vôos. Voou por cinco anos, chegando, inclusive, a fazer viagens para Fortaleza, Recife e João Pessoa. Repetia por aqui a audácia da norte-americano Amélia Earhart, que 10 anos antes – 1932 – tornou-se a primeira mulher a atravessar o Atlântico, pilotando um avião, em vôo solo, proeza, até então, realizada por um homem: Charles Lindbergh, em 1927. Amélia desapareceu no Pacífico, em 1937, quando tentava ser também a primeira a completar uma volta em redor da Terra.

A natalense Lucy gostava de romper tabus. Foi também praticante do remo, tido como esporte para homens e uma das fundadoras do Centro Desportivo Feminino de Natal, para difundir a prática de esporte entre as mulheres. “Gostava de praticar esportes. Jogava vôlei, basquete e remava no rio Potengi nos tempos gloriosos do Centro Náutico Potengi e do Sport Clube de Natal”, relembrou numa entrevista concedida a um jornal da capital em junho de 2001. Quando decidiu casar escolheu justamente um piloto da Aeronáutica que também era da Varig. Acumulou 800 horas de vôo como aviadora. Na Base Aérea de Parnamirim, onde o curso foi ministrado, foi instruída, no seu vôo solo, a um tempo de apenas 15 minutos. Levou 45 minutos. “A empolgação foi tanta, que acabei passando 45 minutos no ar. (...) me sentia dona do mundo”, declarou a um repórter. Na volta, encontrou os colegas de turma e instrutores apreensivos. Decolou da Base Aérea, atravessou a cidade no sentido norte, cruzou o rio Potengi e, mais por encantamento que por exibicionismo, aventurou-se em vôos rasantes sobre a praia da Redinha. Em 25 outubro de 1942, após 13 horas de instrução de vôo, recebeu o brevê de piloto que a habilitava a pilotar aeronaves dos tipos Piper J-3, Culver e PT-19.

Foi a maternidade, em 1947, que a fez desistir do sonho de trabalhar em companhias aéreas. “Eu olhava aquela criancinha no berço e ficava imaginando se alguma coisa me acontecesse durante um vôo; ela ficaria sem os meus cuidados maternos”, ponderou à época. Ao contrário de Amélia Earhart, Lucy Garcia não morreu no ar, mas em terra firme, em sua própria casa no bairro do Morro Branco. Em outubro de 2001 um câncer a sepultou no cemitério do Alecrim. Contava 83 anos de idade. Audaz, está hoje onde gostaria...nas alturas, alçando vôos como anjos celestiais. O que a doença não pôde sepultar foi o legado de pioneirismo que deixa para as gerações que a sucedem. “...avancei o manete do acelerador e voei para o momento mais emocionante e esperado da minha vida. Consegui concretizar meu sonho”, disse certa vez numa entrevista a um jornal local. É o que importa.